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edição 1ª
2013
São Paulo - SP
Editora Sucesso
Coordenação editorial
Denise Barros
Revisão
Celeiro de Escritores
Projeto gráfico e
Diagramação eletrônica
Celeiro de Escritores
Capa
Fotos do acervo pessoal
do autor.
Impressão digital e
Acabamento
Prolgráfica
www.celeirodeescritores.org
© 2013 Celeiro de Escritores
A481r
AMADO, Alci Santos Vivas
Reminiscências / Alci Santos Vivas Amado.
São Paulo/SP: Ed.Sucesso, 2013.
120 p. ; 21 cm.
ISBN 978-85-8290-016-1
1. Literatura brasileira. 2. Contos. 3. Poesias.
I. Amado, Alci Santos Vivas. II. Título.
82-1(81)(081.1)
© 2013 Alci Santos Vivas Amado
BRASIL
Agradeço a Deus
A minha família
Os amigos e
As pessoas que
edificaram a história
da nossa região.
Prefácio
07
Aparência enganosa
Ao narramos alguns fatos sobre a história, de
tantas contradições, da nossa terra natal — Mimoso do
Sul, ES — é necessário buscarmos o protagonista Getúlio
Vargas que no desfecho dos acontecimentos locais, só
serviu de bode expiatório, pois não sabia das intrigas entre
“O ninho das corujas” (São Pedro do Itabapoana) e
“O curral dos cabritos” (Mimoso do Sul), onde aconteceu
o “roubo da comarca”.
Relembrando a história... Conta-se que Getúlio
foi um homem de grande ressentimento, rancores e frustrações,
mas um dos líderes revolucionários e futuro presidente.
Em 3 de outubro de 1930, no período da tarde,
em Porto Alegre, iniciou-se a Revolução de 1930, com a
tomada do quartel general da 3ª Região Militar. Ataque
esse comandado por Osvaldo Aranha e Flores da Cunha.
As tropas revolucionárias avançavam por todo o
país, e Getúlio aguardava os acontecimentos, instalado
em Curitiba. Em 24 de outubro, antes que ocorresse a
Batalha de Itararé, Washington Luís foi deposto através
de um golpe militar, e formou-se uma Junta Militar Provisória.
No mesmo dia, um revolucionário foi enviado
ao Rio de Janeiro para negociar a entrega do poder a Getúlio
Vargas. A Junta Militar Provisória governou o Brasil
até passar o governo a Getúlio em 3 de novembro de 1930,
no Palácio do Catete-RJ, encerrando a chamada República
Velha. Washington Luís foi deposto apenas 22 dias
antes do término do mandato presidencial, que se encerraria
em 15 de novembro de 1930, quando passaria o cargo
para Julio Prestes (o que não aconteceu). Getúlio tornou-
se Chefe do Governo Provisório com amplos poderes e
governou através de decretos que tinham força de lei. No
dia 11 de novembro de 1930 foi baixado o decreto nº 19.398
que instituiu e regulamentou o funcionamento do Governo
Provisório. Dentre os atos a dissolução do Congresso
Nacional do Brasil, dos Congressos Estaduais e das
Câmaras Municipais. E a autorização para Getúlio nomear
e exonerar, a seu livre critério, interventores para
os Governos Estaduais, na maioria tenentes que participaram
da Revolução de 1930.*
Retornando à nossa história... A primeira reflexão:
Se Getúlio assumiu verdadeiramente o poder no dia 11
de novembro, como pôde ter seu nome relacionado à
derrubada da cidade de São Pedro? Que se deu em 02 de
novembro de 1930, segundo conta-se, com uma caravana
constituída por treze caminhões e soldados que traziam
consigo um lenço vermelho no pescoço, demonstrando a
Era Getulista.
8
Havia uma crise financeira desde 1929, os fazendeiros
enfrentavam problemas, se sentiam lesados com
a queda do preço do café, estavam endividados pelas
hipotecas das plantações e, além disso, havia o custo da
manutenção dos estoques de grãos, nos armazéns governamentais.
Durante o Governo Provisório, foram intensas
as disputas políticas e houve em São Paulo a Revolução
Constitucionalista de 32. Getúlio se manteve, e no dia
seguinte à promulgação da nova constituição, 17 de julho
de 1934, ocorreu uma eleição indireta para a presidência:
o Congresso Nacional elegeu Getúlio Vargas como Presidente
da República. Em 10 de novembro de 1937, através
de um golpe de estado, Getúlio instituiu o Estado Novo,
e uma nova constituição. Vários autores, citam o cerceamento
dos direitos e garantias individuais durante o
Estado Novo, questão exposta assim, por Getúlio, em São
Paulo, em 23 de julho de 1938: "O Estado Novo não
reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os
indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos
pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta
de interesses, garante os direitos da coletividade e faz
cumprir os deveres para com ela".*1
O site "Opinião e Notícia", na série A Era Vargas,
também cita: "A perseguição implacável do regime de
Vargas a seus opositores (reais e imaginários), cujos
métodos envolviam fartamente o emprego da tortura,
violência, deportação e assassinato, foi apenas uma das
facetas, talvez a mais conhecida, desse período".
A partir desse momento, os comunistas e socialistas
passaram a ser tratados como inimigos da nação,
dos Estados, Municípios e Distritos. Inimigos do povo, e
das liberdades públicas. As perseguições, prisões e o medo
imperavam. Os antes amigos, agora se esquivavam,
evitando encontros e diálogos. É nesse meio que surge a
força da Fazenda Mimozo, com avanços em construções,
estradas, armazéns de compra e venda de café e serrarias.
Vivia-se uma forte expansão na economia, que contava
com um moderno transporte ferroviário, à época.
*fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Getúlio_Vargas
1VARGAS, Getúlio, A Nova política do Brasil, volume 5, p.311,
Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1938
9
2ª parte
Esta pesquisa teve a contribuição do Sr. Orestes
Correria da Silva(Chochim), que cordialmente me concedeu
uma entrevista. Fui recebido na residência de sua
filha que com muita atenção e simpatia me levou até o
quarto de seu pai e acompanhou nossa conversa. Após
os cumprimentos, sentei-me na cadeira já a mim reservada
e iniciei perguntando nome e local de nascimento.
Chochim também sentou-se, na cama, me olhou fixamente
e com uma voz fraca, mas convincente, disse.
— Temos cada um a nossa história. — E de imediato
me ofereceu um suco ou água, ao que agradeci e
aceitei para depois da entrevista. E ele respondeu. —
Nasci em Conceição de Muqui, terra muito fria. No papel
eu nasci em 1930, mas na realidade tenho 104 anos.
— Mas como? — perguntei-lhe, curioso.
Chochim ajeitou o corpo, numa posição mais
confortável e continuou. — Naquela época os pais não se
preocupavam com os documentos e só providenciavam
se fosse preciso. No início do ano de 1930, eu fui à cidade
de São Pedro do Itabapoana. Não sei o porquê, mas o
dono do cartório colocou como a data de meu nascimento
o dia em que eu estive no cartório, isto é 24/03/1930. Só
fui conferir o documento quando todo alegre cheguei em
casa dizendo, agora já posso casar. Eu tinha talvez uns
18 anos na época E o tempo foi passando. Nunca fui
questionado sobre o fato e deixei correr.
Confesso que fiquei surpreso com a informação.
A filha delicadamente confirmou a história. Chochim não
aparentava 104 anos de idade, estava muito lúcido.
Perguntei-lhe quando havia chegado e se estabelecido em
Mimoso. Ele pediu à filha que fosse pegar alguns documentos
num outro cômodo e relatou.
— Cheguei a Mimoso com quase 20 anos, não
havia muitos caminhos. Logo comecei a trabalhar nas
serrarias. Naquela época, Mimoso já registrava 12 grandes
cortadoras de madeiras, e também armazéns de
compra e venda de café. Fui trabalhar na madeireira por
que o salário era melhor, posso citar: Da família Motta.
O meu segundo emprego foi numa firma do Rio de Janeiro,
que prestava serviços, aqui em Mimoso, na manutenção
das linhas férreas. Após anos é que fui para o
10
armazém de compradores de café, Teodoro Calil. Onde
trabalhei por seis anos e cinco meses. O café vinha da
zona rural em tropas de burros, ou carros de boi. Quando
chegava, a sacaria era carregada por nós, sacos de 60
quilos cada, nas costas. Os empregados às vezes levavam
para o armazém, outras vezes já iam direto para os vagões
do trem. Recordo-me de três compradores de café:
família Rocha, Marcelino Martins, e se a memória não
me falha, os irmãos Achas. O meu último trabalho foi
na Prefeitura Municipal de Mimoso do Sul. Iniciei no dia
01/12/1966.
Aproveitei a pausa e fiz uma pergunta a Chochim,
para sanar uma dúvida. — O senhor disse que haviam
12 serrarias em Mimoso, para onde ia tanta madeira?
— Eram agrupadas e transportadas para o Rio de
Janeiro nos trens de cargas.
Continuei a entrevista. — Quando ainda morava
em Conceição de Muqui, houve algum fato interessante
que queira relatar?
— Eu estava com oito anos, e meu pai contou-
nos que o Sr. Prudêncio Arrabal Fernandes havia comprado
de Honório Lopes da Rocha um sítio de 12 alqueires
de terra, próximo à Vila de Santo Antonio do Muqui,
denominado sítio “Água Limpa”. Estávamos em 1916, e
nessa mesma data nasceu um menino robusto que recebeu
o nome de José Arrabal Fernandes, que bem mais
tarde tornaria-se Médico.
Chochim tinha uma memória fantástica e 104
anos de vida, admirável! Juntos, recordamos o início da
11
história... Em 1852 por iniciativa de Manoel Joaquim
Pereira, surgiu o povoado de São Pedro de Itabapoana
localizado no município de Cachoeiro de Itapemirim.E
uns 6 anos depois pelo Capitão Ferreira da Silva o povoado
de Mimoso na Fazenda Mimozo (João Pessoa)2. Elevados
à categoria de distritos, o crescimento da região motivou
mudanças administrativas. E desde 1926 já havia rumores
de políticos mimosenses da transferência da Sede do
município de São Pedro do Itabapoana para a fazenda
Mimozo; que ia desenvolvendo todo o seu potencial.
2fonte: http://www.citybrazil.com.br/es/mimososul/
historia-da-cidade
3ª parte
São Pedro tem um relevo acidentado e poucas
terras planas, no início seu crescimento econômico foi
lento, e os fatos decorrentes das desavenças políticas
foram acontecendo. Principalmente os assaltos, que aliás
marcaram a história da região, planejados por homens
da alta administração de Mimoso. Podemos citar vários
nomes que tiveram a coragem de armar emboscadas
políticas, e existem evidências que foi ele que mandou
invadir São Pedro e furtar toda a sua história para João
Pessoa: Coronel Gamboa. Quem poderá esquecê-lo? Era
um autêntico político, e quando falava “tava falado”. Ele
era uma bússola, através da qual todos se guiavam, principalmente
submissos eleitores. Coronel Cesar Paiva,
dono de uma linda fazenda na periferia da cidade. Voz
tonitruante. Entrava pela casa de Dona Joana: “Vim
tomar seu café”! E a empregada dizia: “Pués ne, Corone,
ahora mismo”.
— E quando trouxeram para Mimoso os documentos
e todos os arquivos, onde foram colocados?
Chochim passou a mão direita sobre a cabeça e
respondeu. — Havia um prédio velho, que foi o grande
Hotel Amorim. Deram-lhe um retoque e foi vendido para
a municipalidade com preço superfaturado. Nascia assim
a comarca de João Pessoa e mais tarde, Mimoso do Sul.
12
— Para finalizar nossa entrevista, conte-me sobre
as personalidades mimosenses que conheceu — pedi a
Chochim, que de pronto me atendeu.
— Coronel Natinho, usava uma barbicha que lhe
dava uma aparência mefistofélica. Prudêncio Arrabal, pai
do grande médico e insigne escritor José Arrabal Fernandes
que, com o seu livro “Gonçalo pé de mesa”, ficou
registrado entre os maiores escritores regionalistas
brasileiros. Capitão Ascaneio Fernandes, era um cidadão
respeitável e que não dispensava o uso do colarinho de
ponta virada, normalmente nos dias de festas cívicas da
cidade. Kafuri, amigo de todos! Proprietário de uma grande
loja, que até os nossos dias é apresentada à cidade,
trazida pela tradicionalidade. Ainda posso citar nomes que
foram grandes amigos de seu pai: Antonio e Gabriel Minassa,
Alvaro Nassur, Elias Assad, Michel Cheibub, João
Nicolau, Noé, Waldir Pires, Dr. Lincoln Martins, um prefeito
que a morte levou tão prematuramente. E a “Arca
de Noé” que em parceria com Alcebíades Lopes Amado,
seu pai, levava para Santo Antonio do Muqui o cinema.
Os filmes eram passados no casarão de cultura, onde
estão guardadas as figuras folclóricas das Pastorinhas e
da Folia do boi. São dezenas e dezenas de armações do
maior celeiro folclórico de Mimoso do Sul. Há ainda o
Dr. José Nicodemos Cysne. Contavam-se coisas pitorescas
a seu respeito. Guardo bem nítido, na memória, tê-lo
visto certa vez, num dia de bastante chuva, descalço e
calças arregaçadas puxando um boi por uma corda pelas
ruas da cidade. Como médico era um grande e incompreendido
filósofo. Ao vê-lo ainda perguntei: “Quer ajuda
Doutor?” e ele respondeu: “Esse boi Mimozo só me da
dor de cabeça, pula cerca e vai lá para o lado do garimpo.
Só não acabo com ele porque é um boi jeitoso e seu nome
vai ser respeitado para sempre”. Não entendi, falei comigo
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mesmo, será que o Doutor tá ficando louco? E as ruas
continuavam a encher com as águas da chuva. É, como
chovia... E o Doutor seguiu puxando o boi Mimozo, que
nessas alturas já estava desatolado. E por último o Evaldo
Ribeiro de Castro, integro alfaiate, ele que confeccionava
as calças de seu pai, com bocas muito largas a pedido do
próprio.
4ª parte
Todos esses ilustres citados e outros nomes que
poderão aparecer no decorrer desta história, foram
contados por outros amigos.
No final de outubro chegaram em Mimoso do Sul
três caminhões pequenos. A cidade sabia que eles iam
chegar, vindos do Tiro de Guerra de Cachoeiro de Itapemirim.
Descreveu o escritor José Arrabal Fernandes, em
seu livro “Mãos de Médico”.
Os três caminhões passaram por mim, a minha
mãe que havia visto pela janela, soldados deitados no
assoalho da carroceria, apontando armas fuzis; apavorada
e aflita, começou a gritar: — José, Nego, Joaquim Sete
Arrobas (eram meus amigos de primário), façam favor,
vem para dentro! — Éramos adolescentes e brincávamos
na Rua da Serra. Curiosos, saímos observando o que
poderia acontecer.
Os três caminhões pararam junto à estação da
Leopoldina, onde também foram instaladas as barracas,
tipo quartel general. O Agente de Correios e telégrafos,
Sr. Antonio Batista Correia (casado, cinco filhos), que ali
trabalhava, pensou: “Detesto confusão”. Antonio Felipe,
o padeiro, foi na casa comercial do Sr. Antonio Acha, e lá
chegando ouviu de Arnaldo Boca de Gamela que discursava
sem parar, a seguinte conversa: “Na casa Luiz XV,
fiquei sabendo que estavam planejando uma visita à
cidade de São Pedro. Quem dava a ordem juntamente
com um tenente do tiro de Guerra de Cachoeiro era o
Coronel Gamboa”. Eles iam aproveitar a instrução de
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guerra e invadir São Pedro, para trazer a Mimoso (João
Pessoa), toda a documentação e arquivos do então distrito.
João Pessoa deveria se tornar a cidade sede, pois
já se apresentava mais desenvolvida. Contudo, havia
poucos soldados e somente três caminhões. Dando prosseguimento,
o filho do comerciante Antão Ferreira, que
desejava o crescimento numerário para Mimoso (João
Pessoa), recrutou os empregados das lavouras. Em quatro
dias formou uma batalhão, recrutas rudes e simplórios,
que sequer conseguiam marchar. Todos atrapalhados e
envergonhados, foi uma encrenca danada. Um empregado
da loja “Antonio Acha”, teve uma ideia brilhante.
Amarrou embira no pé esquerdo dos recrutados e dava
as ordens da marcha gritando: “Pé amarrado! Pé sem
amarrar! Pé com embira! Pé sem embira!” Com dois dias
conseguiu treinar o pelotão. Os recrutas estavam prontos.
Restava aguardar os dez carros que viriam das fazendas
adjacentes de Mimoso (João Pessoa).
5ª parte
No dia 02 de novembro de 1930, às 6 horas
chegaram à praça os dez caminhões que juntaram-se aos
outros três. Os recrutas se misturaram aos soldados.
Todos tinham adornando o pescoço, um quadrado de
pano vermelho dobrado ao meio, feito lenço. Se estavam
todos fardados, não temos registro, pois a situação era
muito tensa para se notar. O comboio partiu ao destino.
Os treze caminhões invadiram São Pedro do Itabapoana,
parecia a revolução, os soldados entraram na
sede administrativa do distrito e roubaram todos os arquivos
com documentos.
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Era Finados, dia de reverenciar
os mortos, e os São Pedrenses já se preparavam para ir à
missa às 9 horas e ao cemitério.
— Fomos pegos de surpresa, parece que tudo foi
planejado — disse o Senhor José Calil.
— Até o livro de tombo foi levado! — exclamou o
Senhor Manoel Pires.
Os soldados armados até os dentes, pura guerra
emocional. O material que não podia ser levado foi quebrado.
Destruíram as salas administrativas. O povo
assistia tudo, hipnotizado, sem nenhuma reação. Uma
mulher corajosa, Rosinha Caroli, minha irmã! Subiu até
a torre da igreja e começou a tocar o sino; em sinal de
socorro. Na missa era o momento do ato penitencial, mas
todos estavam sem saber o que acontecia lá fora. Nenhuma
explicação, nem mesmo qualquer autoridade para
informar o porquê da vinda dos soldados e caminhões,
que pareciam ser do exército. Após o saque, os “Cabritos”
foram embora.
A professora Rosinha, que tocara o sino na igreja,
inconformada com a invasão, iniciou um movimento
para neutralizar a atitude dos vizinhos revolucionários.
Enviou mensagens para os conhecidos marcando data e
hora para uma reunião, na qual discutiriam o ocorrido.
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Depoimento de Nilza Caroli.

“Rosa Caroli, querida e admirada na cidade. Eu
sendo sua irmã, mais nova, fui ajudá-la, subscritando os
envelopes, lembro de alguns nomes: Dr. Cabral e Virginia
sua esposa; Dr. Gilberto, do Rio de Janeiro, radicado e
amigo de São Pedro; Sr. Temistocles Francisco; Mario
Figueira; Zezé Figueira e esposa; Senhor Constante Vivas,
coletor e esposa; Sr, Marcio Braga de Cachoeiro de Itapemirim
e sua esposa, radicados em São Pedro e que
adoravam a cidade (tinham seis filhos, que haviam sido
alunos de José Santinho Batista); professor Elpidio;
fazendeiro, Breno Castanheiro; farmacêutico, João Mauricio;
Padre José, muito brigão; Juninho Silveira; Constatino
Vivas e tantas outras pessoas, que não me recordo
mais. Mamãe também estava lá nos apoiando. Fomos
para a municipalidade ver os estragos feitos, o edifício
tão bonito estava todo danificado. Dias após, houve a
reunião dirigida por Rosa Caroli. Foi formada uma
comissão composta por Grinalso Medina, Mario Caroli,
Jamil Mileipe que iria para a cidade de Vitória tratar do
desmembramento de São Pedro e do recém-criado
município de João Pessoa (Mimoso) que nós chamávamos
de “Curral dos Cabritos” e éramos chamados por
eles de “Ninho das Corujas”. Mario Caroli elaborou o
recurso para ser entregue ao interventor e a resposta que
recebeu do “infeliz” foi: “O que está feito, está feito”.
Não desistiram e continuaram a reivindicar o
restabelecimento do Município de São Pedro do Itabapoana.
Em 1945 um projeto de Lei foi aprovado pela
Assembleia Federativa do Estado, mas o maldito interventor,
já agora governador não sancionou. Notou-se que
devido à pressa dos “cabritos” quando do saque, foram
deixados na Câmara de São Pedro, no Clube nobre da
Câmara Municipal os lindos lustres de cristais, importados
da França, que eram um orgulho para o povo São
Pedrense. Rosa Caroli novamente convocou todos os
moradores de São Pedro e falou-lhes da necessidade de
reagir. Disse ela: “Se nos armarmos para enfrentar os
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jagunços de Mimoso do Sul...”. Mas os homens de São
Pedro se acovardaram e não quiseram tomar parte. Rosa
Caroli se voltou para as mulheres, e muitas brigas houve
entre maridos e esposas. Mas a professora não desistiu e
lançou o grito: “Mulheres de São Pedro se nossos maridos
são covardes e se escondem em baixo das camas, vamos
nós tomarmos a defesa de nossa cidade. Vamos nos armar
com as armas que encontrarmos e defender a nossa
terra!” Então as mulheres juntaram armas, nessas alturas
já possuíam em suas casas: bazucas, espingardas, revólveres,
facão, machado, porrete, enfim todo o tipo de
objeto que pudesse causar contusão. Os maridos ficaram
assustados, mas nunca haviam visto mulheres tão valentes.
A mãe que viera da Itália ainda não naturalizada,
estremecia, mas ajudava, apoiava e incentivava o movimento.
Certo dia, não demorou muito, o movimento
soube que os “cabritos” voltariam para buscar os lustres
de cristais; comentou Rosa: “Para que eles querem aquela
rara beleza?” Pois o povo de Mimoso era considerado
burro, sem sensibilidade, não tinham capacidade intelectual,
nem cultural para saber apreciar os belos e imponentes
lustres de cristais franceses. Rosa Caroli colocou
olheiros, espiões na estrada de São Pedro, havia somente
uma entrada para a cidade. Quando avistaram a tropa
dos “cabritos” informaram-na imediatamente e as
crianças, que admiravam e se divertiam com o movimento,
foram de casa em casa chamar a mulherada. Os
homens não apareceram, exceto alguns realmente
interessados: Padre José, João Mamão, Antonio e João
Silveira.
Da ladeira desciam as “bravas e valentes mulheres”,
Anita Garibaldi, cada uma empunhando uma
arma. Rosa Caroli estava esperando, com a sua mãe e
mais algumas mulheres.
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Caminharam ladeira abaixo até
a entrada da cidade. Estreita, somente uma pista de
largura. Mulheres, crianças e pouquíssimos homens,
todos coordenados por Rosa, formaram uma barreira
deitando-se no chão.
Chegaram! Pararam! Um caminhão e um Jipe.
O capitão desceu e ordenou que os carros passassem, pois
tinha com ele uma ordem para retirar de São Pedro os
objetos que haviam ficado. Rosa levantou, deu um passo
à frente, dirigiu-se ao oficial e questionou sobre a ordem
de apreensão. — Onde está tal ordem? — O Capitão respondeu
que trazia a ordem verbal, e ela lhe disse.
— O Senhor deverá retornar porque não vamos
deixar entrar na cidade, e hoje não levará nada daqui.
O capitão mais uma vez, com o intuito de intimidar
aquelas mulheres fez um sinal aos soldados para
que eles descessem da viatura. Rosa percebeu o sinal, e
também fez outro para as mulheres e as crianças, fecharem
o cerco; e dirigiu-se ao capitão. — Se o Senhor quiser
avançar, poderá fazê-lo, passando por cima de nossos
corpos. Vamos capitão de ordem aos seus capangas.
O capitão ficou nervoso e ainda tentou convencer
Rosa. — Mas Dona eu preciso cumprir ordens.
— Cumpra-as, mas daqui não arredaremos.
Houve um minuto de silêncio! O que aconteceria?
Rosa observou que suas amigas estavam com medo, com
expressão de fugir do local; foi então mais audaciosa,
encarou o capitão, empunhando um revólver que era de
seu pai. Sua estratégia deu certo. Todos se animaram e
se mantiveram firmes. O capitão bateu continência, e
deu as ordens aos recrutas.
— Vamos retornar! — Deu meia volta entrou no
Jipe e partiram de volta para Mimoso.
Ficamos pasmas, as crianças pulavam de alegria,
os poucos homens nos olharam com cara de tacho e um
deles disse:“Vocês não tem jeito mesmo”. As mulheres
comemoraram a vitória fazendo uma festa.
Depois desse episódio Rosa Caroli continuou sua
batalha pela via diplomática. Enviou um telegrama ao
interventor do Estado, pedindo reconsideração e atenção
para aquela cidade que fora construída com os esforços
de filhos fiéis à terra onde nasceram, e citou nomes de
ilustres famílias: Tatagiba, Medina, Vivas, Caroli e muitos
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outros que lutavam com garra e ética para renascer uma
cidade intelectual, São Pedro de Alcântara. Escreveu duas
cartas para o Presidente Getúlio Vargas, as quais ele
delicadamente respondeu, mas sem querer entrar em
problema tão insignificante, aliás ele nada sabia dos
acontecimentos locais. Escreveu também ao Sr. Oswaldo
Aranha, companheiro de Getúlio, mas foi inútil, ele respondeu
quase com as mesmas palavras. Para acalmar
os ânimos, o interventor do Estado visitou São Pedro do
Itabapoana, mas já veio com uma resposta, a recusa em
atender as reivindicações dos habitantes de São Pedro.
Rosa voltou ao episódio dos belos lustres de cristais,
para ela seria uma questão de honra impedir, pelo menos
o furto daqueles objetos que representavam o esplendor
de uma cidade decadente. Teve uma ideia e só contou
aos seus pais e ao Sr. Mario Braga, grande amigo seu, o
plano secreto. Numa noite, a cidade já adormecida, Rosa
em companhia do amigo retiraram os lustres da Câmara,
os embrulharam em jornais, acondicionaram em caixotes,
e os levaram para a sua casa. Uma construção tipo
enxaimel (madeira) comum no século XIX. Eram lares
de famílias tímidas, luzeiro de paz, “Sendo a terra amada
e mais gentil” escreveu um poeta; Grinalson Francisco
Medina.
A casa da família Caroli era muito comprida, tomava
uma boa parte da rua, de um lado apresentava
uma pequena elevação e do outro um belo jardim em
toda sua extensão. A construção era apoiada sobre enormes
vigas de madeira, e em baixo havia uma espécie de
porão onde se armazenava a lenha para o fogão. Rosa e
o amigo retiraram a lenha, colocaram os caixotes e guardaram
a lenha novamente. A execução do plano durou
toda a madrugada, no entanto, os lustres estavam a salvo,
bem escondidos.
Passaram-se alguns dias, enquanto isso Rosa continuava
a se corresponder com pessoas de prestígio na
cidade e no Estado, o Juiz de Direito, Advogados, a Secretária
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de Justiça, o Bispo de Vitória e a Madre superiora
do colégio do Carmo, onde ela estudara; a Irmã
tinha um carinho especial por Rosa e também pediu ajuda
ao Sr. Punario Bley, o interventor do Estado. Contudo, o
que não sabiam é que o caso das mulheres que impediram
a entrada dos soldados já havia chegado ao conhecimento
do interventor, e mais grave era o fato de serem
lideradas por uma professora nomeada pelo Estado e a
seu serviço. Isso era um caso de indisciplina. Punaro Bley
enviou um ofício a Rosa, lembrando-lhe da ocorrência e
ordenou-lhe que entregasse o seu cargo na municipalidade
de Mimoso, e também que desse conta dos lustres
que haviam sumido da Câmara. Se eles não fossem devolvidos
ela seria castigada, perdendo a “cadeira”, isto é,
sendo demitida.
O sangue de Rosa ferveu diante de tamanha armação
política, na qual ela fora envolvida. Imediatamente,
sem pensar escreveu uma carta malcriada ao
interventor, colocando em suas mãos a Escola e a nomeação,
já que ela reprovava a grande emboscada praticada
contra a cidade de São Pedro de Alcântara, e que
não morreria de fome perdendo a escola. Ainda, que eles
poderiam ter usado uma fórmula civilizada, ética, no
assalto contra o povo de São Pedro.
Dois dias depois, às 6 horas da manhã papai bateu
na porta do quarto de Rosa, estava muito agitado.
— Levanta menina, venha ver o que você me
arranjou, nossa casa está cercada de policiais.
Rosa levantou calmamente, lavou-se. Enquanto
seu pai andava de um lado para o outro, ia até o corredor,
voltava arrancando os cabelos e falando. — Você não vê
minha filha, eu sou italiano, ainda não sou erradicado,
posso ser expulso agora mesmo.
21
Rosa apelava pela calma, não deixando sua apreensão
transparecer, estava mais assustada pelos seus pais,
e tentava acalmá-los. — Pai. Mãe, não vai acontecer nada,
essas pessoas querem nos intimidar.
Foi até a porta da sala, abriu-a, e lá estava a tropa
ao redor da casa e ela foi falar com o capitão. Ele bateu
continência, cumprimentando-a, logo percebeu que não
estava na frente de uma frágil mulher, retirou do bolso
um papel que trazia e lhe entregou. Rosa abriu e leu. Era
uma autorização para que os soldados revistassem qualquer
casa, com o objetivo de recolherem o que ficou para
trás, e outros locais que também considerassem suspeitos,
na antiga cidade. Enfim o que fosse necessário.
Voltando um pouco atrás! Logo que o pai disse
que a casa estava cercada, Rosa pediu a irmã Nilza, que
fosse correndo à casa do Sr. Marcio para contar-lhe o
que está acontecendo. A menina saiu depressa pelos
fundos atravessou o jardim, pulou o muro, passou na
pinguela do riacho nos fundos da casa, lá não havia
polícia. Nilza, apesar de ser um pouco mais nova, fez tudo
direitinho, e em poucos minutos o Sr. Marcio Braga estava
na porta da casa. Rosa foi ao seu encontro, entregou-lhe
o documento, virou-se para o oficial e disse. — A casa é
toda tua, pode revistar.
O pai continuava nervoso e mordendo os lábios,
a mãe corajosa não se intimidou perante os soldados, que
se espalhavam por toda a casa... Revistaram tudo, chegando
até a espécie de porão, no baldrame. Ainda bem!
Talvez por preguiça não remexeram o monte de lenha.
Por fim nada encontraram e retornaram para a Fazenda
Mimoso. Mas os “cabritos” não desanimaram e começaram
a ser mais agressivos. Funaro Bley, o interventor,
enviou um outro ofício para Rosa, através de um Juiz,
22
que por coincidência era bastante seu amigo e ele a convenceu
entregar tudo que estivesse em seu poder. Acrescentando:
“Essa gente é como um trator”. Ela concordou,
mas pediu ao amigo Juiz que fosse portador de uma
missiva para o interventor Bley. Nesse dossiê, Rosa manifestou
sua revolta e desencanto com as justiças pregadas
por um Governo que se intitulava libertador e democrático.
Anexo, também devolvia ao Governador o cargo
na escola, na qual fora nomeada pelos seus bons méritos,
colocando-o à disposição para que ele o desse a quem se
submetesse a tal política, suja e opressora. E terminava:
“Vou, sim, sair de São Pedro de Alcântara, minha terra
natal, com o propósito de aqui nunca mais voltar. Vou
sair de cabeça erguida, tenho certeza, fechou-se esta porta,
mas outras janelas para mim se abrirão”.
A carta foi entregue e em resposta o senhor
interventor tentou removê-la de sua decisão, sugerindo-
lhe que continuasse na escola, pois ela tinha um bom
nome na Secretaria de Educação, pelo número de aprovações
de alunos todos os anos; assim, o Estado não
poderia perdê-la. Bem, Rosa nem respondeu. Arrumou
as malas e foi para o Estado da Guanabara-RJ.”
Um desabafo de sua irmã. — Eu era fã incondicional
da mana, preferida por toda comunidade, inteligente,
quando estudava era sempre a primeira aluna da
classe, no colégio do Carmo em Vitória, era ela que
escrevia e discursava com brilhantismo; falava o francês,
italiano e o inglês, além de ótima professora bordava
muito bem, pintava e tocava violino. São Pedro era uma
cidade que cultivava a boa música, as letras, os textos
poéticos, vários poetas e poetisas de nome: Maria AntonietaTatagiba
que foi a primeira mulher do Espírito
Santo a escrever um livro. A cidade apresentava bons
ginásios, escolas particulares, além de três escolas da rede
pública. As crianças tinham nas escolas as invenções de
Rosa, os torneios de histórias do Brasil, de português, de
matemática. Essas matérias despertavam nos alunos o
desejo de estudarem e receber boas notas.
Sua vizinha também comentou. — Eu me lembro
que na escola de Rosa haviam dois grupos que se rivalizavam
no estudo: Os Tamoios e os Tupiniquins.
23
A professora também era produtora de teatro, eu mesma
cantei, declamei muito no palco, que era o único prédio
que oferecia cinema e teatro grátis para o povo. Além
disso, éramos conhecidos como uma cidade intelectual
havia muitos jornalistas bons e jornais com matérias
confiáveis: A Revolução, O Progresso, O Rebate, A
Reforma, A Semana, A Luz, A Gaita, A Língua e outros
muito interessantes também.
Rosa Caroli foi para o Rio, lutou valentemente e
venceu em tudo que desejou e se relacionou. Foi brilhante
e recebeu justas recompensas. Uma pena que ela não
tenha escrito suas memórias e os “cabritos” tenham
destruído toda a documentação histórica de São Pedro
do Itabapoana.
O tempo passou, numa festividade da cidade na
década de 80, o Prefeito a convidou para vir receber uma
homenagem, como filha ausente da cidade e por tantos
trabalhos dedicados ao povo mimosense. Não teve quem
a animasse e a amparasse. Ela não veio. Houve a festa e
quem recebeu em seu nome o referido certificado? E os
lustres de cristais que ela cuidadosamente devolveu, onde
estão?
6ª parte
Cópia transcrita do jornal da época. Lendo o
“Globo” de 24 de novembro de 1930 deparei-me com um
ofício assinado pelo Sr. Octavio Gonçalves, interventor
do Município de São Pedro do Itabapoana, no qual este
senhor comunica ao referido jornal, pedindo a publicação,
a mudança da Sede do Município, que é São Pedro do
24
Itabapoana para Mimoso. Indignado com o editorial de
mentiras, que servem de base ao tal ofício, resolvi, com a
necessária vênia do aludido diário, lançar o meu protesto,
aliás, de todo o povo de minha terra, o desmentido formal
após dizeres capciosos de quem o aciona. De uma vez
para sempre repito bem alto: É mentira, é falso, que a
Sede do Município tenha sido mudada por inspiração do
valente major, Serôa da Matta, e ainda mais pela vontade
do povo, como proclama o Sr. Octávio Ferreira!
Vejamos: Diz o comunicado que o major Serôa
da Matta confraternizando com o povo teve a inspiração
patriótica de mudar a Sede do Município, etc. etc... Mas
poderá o Sr. Octavio informar a esse mesmo povo,
quando, como e onde se deu essa confraternização? De
que maneira, se o Major, nem esteve na Sede, que é São
Pedro, nem se entendeu com representantes do Município,
o qual se compõe de cinco distritos, e não apenas de
Mimoso? Esse povo, de cuja vontade o Senhor interventor
dispõe ao seu bel prazer, não foi informado disso. O que
houve foi uma vendeta baixa poluída, da parte de Mimoso
contra São Pedro, e nada mais. Nas mãos de meia dúzia
de habitantes de Mimoso, não foi o Senhor interventor
mais que um boneco de molas, um manequim sem ação,
sem energia, prestando-se, portanto a tudo que ordenassem
os seus verdadeiros Senhores, até o ponto de como
vimos, servir-se do nome do brioso oficial que é Serôa da
Motta, para espalhar aos quatro ventos esta formidável e
bem forjada mentira.
Nossos “amáveis” vizinhos não poderiam escolher
melhor ocasião para se entregarem à rapinagem, que o
momento atual. Cobertos com a capa da revolução, esse
movimento regenerado e cheio do mais acendrado
patriotismo, que acaba de quebrar os grilhões de uma
política baixa, imoral. Lançaram-se, esses abutres
esfaimados e incoerentes, sobre a pacífica, terra São
Pedrense, espoliando-lhe até o fundo numa sede mesquinha
de desforra injusta. E a tudo se prestou o ilustre
25
Senhor Octávio Ferreira. Não venha agora dizer que essa
forma de ordem de Serôa da Matta, pois este nem disso
sabia, e, quando um dos nossos lhe falou sobre o que
estava passando, esse oficial admirou-se grandemente de
tais medidas. A ordem que o Major dera isto é sabida por
todos, foi centralizar o serviço de Mimoso, para que mais
facilmente estivessem em comunicação com as tropas
revoltadas. Mas para isso não era necessário virem buscar,
furtar, roubar, assaltar todo o material pertencente à
Prefeitura e a Câmara de São Pedro do Itabapoana. Isto
é, do jeito que os leitores quiserem interpretar. E ainda
mais se fosse a vontade da população que se fizesse a
mudança, como diz o nosso “amigo” para que então se
aproveitasse da confusão lançada pelo movimento
revolucionário e vieram aqui justamente quando o povo
são pedrense estava em oração na igreja reverenciando
seus mortos e os recrutas vieram de armas em baladas,
quando poderiam aguardar calmamente que tudo se
fizesse entre risos e festas? Se fosse essa a vontade da
população, digo que razão havia para impingirem às nossas
autoridades a série de humilhações por que passaram?
Para que todo aquele aparato com que se revestiram?
Bem definida, portanto, está a ação exercida contra São
Pedro do Itabapoana mercê da incomunicabilidade em
que nos encontrávamos, em consequência de que nos era
completamente desconhecida a verdadeira situação dos
nossos administradores políticos de Mimoso do Sul - ES.
O assalto à mão armada não constava do programa
do Sr. Getúlio Vargas, cujo ideal, grandemente
conhecido por todo Brasil, era dos mais nobres, dos mais
belos e grandiosos, o de levantar uma Nação prestes a
sucumbir, pela má política de seus dirigentes, que sofrem
agora a consequência de suas mãos e atos. Por isso é que
venho, novamente, clamar bem alto contra atos que
desabonam, e muito, os verdadeiros chefes, os nossos
pioneiros da Liberdade! São Pedro do Itabapoana, que
por sua natureza mesmo já estava em poder dos
revoltosos, não deveria sofrer o que sofreu contra suas
autoridades, seu poder, sua autonomia! Que caíssem os
dirigentes, aqueles que não souberam administrar, mas
ela deveria ser respeitada. Basta, portanto, basta de humilhações.
Urge que se faça chegar ao conhecimento dos
futuros filhos dessa terra, nosso berço natal, não tendo
vergonha de nossa história. Pois no passado, o homem
responsável por essa transferência, o que ele falava “Tava
falado” ao ponto de como vimos, servir-se do nome do
brioso oficial que é Serôa da Motta, e hoje sua estátua
ganha destaque no centro do jardim da nossa cidade.
Verdadeiramente talhado para o belo e justo, ponha um
dique à onda avassaladora que pretendeu de uma vez
para sempre destruir São Pedro do Itabapoana.
26
7ª parte
Este capítulo é uma coletânea, são cópias dos telegramas,
ofícios e trechos de matérias escritas por Rosa
Caroli, uma cidadã de força cristã, naquele período conturbado
da história regional. Em face da insistência, as
autoridades começaram a responder suas cartas. E anos
mais tarde foi decretado pelo Legislativo: “Devolva-se,
portanto, ao remetente as correspondências que endereçou
ao Chefe da Nação; juntamente com as cartas
anexas, também no envelope um telegrama que enviei
ao 1º aniversário da tomada de São Pedro, felicitando
pelos objetivos alcançados. Agradecidos aos cumprimentos
enviados pelo transcurso da gloriosa data comemorativa
do primeiro aniversário da vitória da revolução,
apresento cordiais saudares. - Vitória - ES, 25:10:1931 João
Punaro Bley/Interventor Federal no Estado”.
“Para Chefe Governo/Getulio Vargas/provisório-
Rio, - Despojado este pedaço terra, faz parte integrante
Pátria, direitos cidadãos com mudança Sede Comarca e
Município para Mimoso, mão armada, sem outro fim
senão destruição desta terra S. Pedrense, gesto perfeito
feito hoje, mandando despir antigo edifício Fórum desta
cidade toda instalação elétrica, motivo famílias divertiam
horas amargas passamos. Como protesto veemente tomou
mãos fiscal prefeitura, troféus pertencentes nosso
distrito. Pedimos nome, nova Republica, Justiça. - 17/
07/1931 - saudações, família Caroli”
“Ilma. Senhora Rosa Caroli - 6/7/1931 - Tenho a
honra de comunicar-lhe que fostes eleita paraninfa da
turma de reservista de 1930, do Tiro de Guerra nº 390
com sede nesta cidade e que no dia 12 do corrente realizará
a entrega das cadernetas dos referidos reservistas. Tenho
a acrescentar que, em reunião que se realizou ontem, o
nome da Exma. Senhorita foi escolhido para tal fim, com
geral apatia. Saudações, Temistocles Azevedo/Presidente”.
“Diretor Jornal Correio Manhã/Rio - 18/07/1931
-Ontem noite aconteceu fato virgem história povo São
Pedrense cansado humilhações político de Mimoso do Sul
insatisfeito com nossos direitos despojados, prejuízos
coletividade maioria distritos municípios.
27
Prefeito, conforme transcrevo telegrama mandou retirar toda instalação
elétrica antiga edifício Fórum. Levar Mimoso. Os
homens entregues filosofia, braços cruzados, aguardando
ainda reivindicação direita postergados, assistiam destruição
final seus direitos, haveres distrito, enquanto número
incalculável senhores elite social, fazendo lembrar
Benta Pereira e Maria Ortiz, auge indignação brios povo
invadem casa fiscal arrebatando nossos troféus, telegrafando
fato Interventor e Chefe político. Rosa Caroli”.
“Exmo. Sr. Pedro José Vieira/Prefeito Municipal
-21/07/1931 - De posse de nº, Ofício 18/31, cumpre-me,
respondendo ao comunicado de V. Excia., a respeito dos
lustres de cristais e outros objetos, pertencente à Câmara
desta cidade, repete em meu nome e de todas as sintonias
o que já deixamos dito em nosso telegrama. Não consentiremos
na saída de móveis do nosso Distrito, inclusive
os lustres de cristais, ou sejam eles quais forem. Quanto
a V. Exa. alegar o motivo de economia referindo-se ter
lançado mãos nos objetos encravados no importante
imóvel deste Distrito, achamos estar equivocado, pois V.
Exa. vem gastando somas vultuosas nessa localidade com
a mudança, como foi feita da Sede da Comarca do Município.
Haja vista compra dos edifícios velhos e reformados
recentemente para o funcionamento do Fórum e cadeia.
Quanto aqui os há. Não entregaremos os objetos acima,
pertencente ao aludido imóvel, senão depois de ser resolvido
o recurso interposto ao Chefe da Nação, pelos povos
deste Distrito: Antonio Caetano, Barra Alegre, Conceição
de Muqui, Santo Antonio de Muqui e depois que seja
autorizado pelo Chefe da Nação a quem telegrafamos.
Saiba V. Exa. que o impoluto Oswaldo Aranha, até aqui
era o governo quem mandava no povo; doravante é o
povo quem manda no governo e na V. Exa. - Rosa Caroli”.
“Para Rosa Caroli - 25/07/1931 - Felicito a minha
amiguinha e as demais pelo gesto nobre e honroso e fico
solidário com esse povo, que no futuro vão a mim agradecer,
pois o que fizemos, de mim muito merecem. - Abraço
do amigo Gambôa”.
28
“Gabinete do Ministro da Justiça e Negócios
Interiores, Rio 03 agosto de 1931. - Exma. Senhora Rosa
Caroli, de ordem do Sr. Ministro da Justiça, tenho a
satisfação de comunicar-vos e às demais signatárias do
abaixo assinado de 29 de julho que S. Exa., tomado em
consideração o vosso apelo, o recomendou à atenção do
Sr. Interventor Federal nesse Estado. Com respeitoso
cumprimentos”.
“Excelentíssima Senhora Darci Vargas - 06 agosto
de 1931 - Saudações. Apelando para os sentimentos altamente
patrióticos que se aninham em vosso coração, viemos
hoje depois de ter o povo dessa terra recorrido ao
Vosso Digníssimo esposo, pedir-vos que interceda junta
à sua Excelência e do grande Ministro Oswaldo Aranha,
a fim de que sejamos reintegrados em nossos direitos,
com a volta da Comarca e Município para a sua antiga
Sede, que é São Pedro do Itabapoana e cuja usurpação
devemos à meia dúzia de homens indignos que ontem
arrastavam pelas ruas os nomes dos candidatos da Aliança
Liberal e hoje servem-se da bandeira que esses mesmos
vultos hastearam para cometerem atos revoltantes como
esses que sofremos agora. É a mulher São Pedrense que
vos pede pela felicidade de seus lares, pelo progresso do
Município, pelo interesse de um povo pacífico e amante
do bem, que só quer viver na comunhão dos parentes e
amigos, formando uma só família nesta terra pequenina
onde a ambição única é a da paz e do direito! O nosso
pedido é justo, Senhora Darci Vargas, pois é só pela justiça
que clamamos, estamos certas que a vossa alma, de
patriota e católica bem intencionada, não ficará indiferente
e saberá saber valer junto de vosso esposo essa nossa
rogativa. Não é legítimo, convenha conosco, que para
satisfação de um só Distrito, animado aliás do espírito de
vingança, sejam sacrificados outros cinco, que formam
o Município, como acontece em nosso caso. É portanto
pela felicidade e tranqüilidade desse todo que imploramos
a Vossa valiosa intercessão e pedimos que nos auxilies,
convictas que nos compreendereis, pois também sois mulher
e sabeis que como mulheres, não iríamos nos imiscuir
em questões políticas se para isso não tivéssemos sido
prejudicadas em nosso Patrimônio moral. Confessando
a nossa eterna gratidão vos apresentamos os nossos mais
sinceros e efusivos cumprimentos. - Rosa Caroli”.
29
“Exmo. Sr. Oswaldo Aranha - 10/08/1931 -Eminentíssimo
Ministro Justiça - Rio - Tomamos dizer Ofício
a V. Excelência como um decreto jubiloso fatos deliberamos
dar nome Oswaldo Aranha principal rua da cidade
São Pedro em homenagem justiça. Saudações - Rosa Caroli”.
“Para Rosa Caroli - 25 de agosto de 1931 - Sensibilidade
agradece imerecida homenagem. Acabou prestar-
me, Forte tão significativa. Saudação Cordial - Oswaldo
Aranha”.
“Secretaria de Instrução - 25/09/1931 - Snra.
Professora Rosa Caroli - São Pedro do Itabapoana -A propósito
do incidente provocado por senhoras dessa localidade,
a cuja frente imprudentemente vós colocastes devido
a retirada dos lustros de cristais do prédio onde funcionou
a Câmara Municipal de São Pedro do Itabapoana, venho
censurar-vos pela atitude de rebeldia que então assumistes
em desacato à autoridade do Prefeito do Município de
Mimoso do Sul “João Pessoa”, o qual achando-se investido
da função de delegado do Governo, deve como tal ser
respeitado pelos que se encontram sob sua jurisdição,
sobre tudo por aqueles que, como vós ocupam cargos que
pela sua natureza, impõem aos que os exercem o dever
de cooperar para a manutenção da ordem e tranqüilidade
pública. Saudações - Secretário da Instrução”.
“Para Exmo. Ministro Oswaldo Aranha - 26 de
setembro de 1931 - Caro Ministro -Minha casa amanheceu
cercada forças mando do poder político de Mimoso do
Sul, motivo, apreender lustros de cristais, moças, senhoras
impedimos fossem retirados defendendo direitos distritais.
Julho último, confiante ofício Vossa Exa. De 3 de agosto
pedimos justiça. Pela família São Pedrense - Rosa Caroli”.
“Excelentíssimo Senhor Ministro Oswaldo Aranha
-30/09/31 - Respeito dos lustres sem resposta, voltamos
ter nossas casas vigiadas por polícia. Custa vê Delegado.
Há inquieto! Preferindo enganar Estado e cidade vizinha.
Ser humilhados. Esperamos justiça. - Saudações - Rosa
Caroli”
30
.
“Exmo. Sr. Getulio Vargas - Chefe Governo Provisório
- 24/10/1931 - Estamos quase fazendo um ano que
fomos assaltados, e os nossos resultados ainda nada
definidos. Vossa Excelência motivou fatos e recurso interposto,
cujos fruyos medram abrigados sombra bandeira
discricionária, contra direitos postergado ainda. Entretanto,
felicitamos V. Excelência e Oswaldo Aranha momento
todo Brasil exulta, enquanto este pedaço Pátria
continua luto. Saudações - Rosa Caroli”.
“Catete - Rio - 30/10/1931 - Para Rosa Caroli Apraz-
me agradecer Vossas congratulações. - Getulio
Vargas”.
http://carolipoetadabaixada. com deixou um novo comentário sobre a sua postagem "APARÊNCIA ENGANOSA":
Caro Amigo, mas que prazer poder ler uma história contada por papai, que era primo de pai de Sozinha, ele se orgulhava muito daquela sua prima, que hoje é citada com Heroína São Pedrense!
É naturalmente a historia da Família Caroli, em São Pedro, e no Brasil.
Eu faço parte desse orgulho com muito prazer!
Obrigado pelo resgate, dessas coisas da vida da gente!
Do Livro "Reminiscências" |
edição 1ª
2013
São Paulo - SP
Editora Sucesso
Coordenação editorial
Denise Barros
Revisão
Celeiro de Escritores
Projeto gráfico e
Diagramação eletrônica
Celeiro de Escritores
Capa
Fotos do acervo pessoal
do autor.
Impressão digital e
Acabamento
Prolgráfica
www.celeirodeescritores.org
© 2013 Celeiro de Escritores
A481r
AMADO, Alci Santos Vivas
Reminiscências / Alci Santos Vivas Amado.
São Paulo/SP: Ed.Sucesso, 2013.
120 p. ; 21 cm.
ISBN 978-85-8290-016-1
1. Literatura brasileira. 2. Contos. 3. Poesias.
I. Amado, Alci Santos Vivas. II. Título.
82-1(81)(081.1)
© 2013 Alci Santos Vivas Amado
BRASIL
Agradeço a Deus
A minha família
Os amigos e
As pessoas que
edificaram a história
da nossa região.
Sumário
Prefácio 06
Aparência Enganosa 31
Emancipação Política 45
Heroína São Pedrense 58
São Pedro do Itabapoana 61
Mimoso do Sul 62
Mimoso Contemporâneo 63
Conceição de Muqui 64
Dona América 65
Ponte do Itabapoana 66
São José das Torres 67
Santo Antônio do Muqui 68
Fazenda Santa Cruz 70
Santo Antônio do Muqui
Pastorinhas – “Folclórico” 78
Os Gêmeos 87
É preciso dizer adeus 91
Solidão a dois 96
Vidas paralelas 97
Vou te dizer adeus 98
O velho e o idoso 99
Independência X comemoração 100
Amar é humano 101
Por quê? 102
Quinto mandamento 104
Volte para mim 105
Que panos são esses? 107
Natal diferente 109
Biografia 110
Prefácio
"Eu sou eu e minha circunstância,
e se não sonho a ela, não me salvo a mim."
( Ortega Y Gasset)
"Aparência Enganosa" é um legado histórico-poético.
Nesta obra, em prosa e poesia, o autor nos contempla
com uma aprazível jornada através da história de sua
região, contada por pessoas que vivenciaram os importantes
movimentos políticos, sociais e culturais. Em seguida,
compartilha momentos de lirismo, através de seus inspirados
versos.
Além de escritor, poeta, historiador, Alci é um cidadão que
tem congênita ligação com toda narrativa. Ele é filho da
terra, comprometido com a sociedade,, trabalha em prol do
bem e do melhor. Entende que viver é também se importar
com o entorno, o mundo, a circunstância.
Naturalidade, realismo e clareza comunicativa são
características da poesia do autor, que habilmente desperta
a curiosidade e o interesse do leitor ao conteúdo apresentado,
bem como ao local onde se desenrolam os fatos.
Alci Santos Vivas Amado com "Aparência Enganosa" dedica
uma nobre homenagem á história e seus personagens, ao
passado e ao presente de Mimoso do Sul e seus Distritos.
A poesia envolveu a história, com beleza e originalidade.
Parabéns, Alci, pela genial iniciativa e relevante obra literária..
Sucesso!
Denise Barros
Teóloga, professora e escritora.
06
![]() |
Alci Santos Vivas Amado |
07
Aparência enganosa
Ao narramos alguns fatos sobre a história, de
tantas contradições, da nossa terra natal — Mimoso do
Sul, ES — é necessário buscarmos o protagonista Getúlio
Vargas que no desfecho dos acontecimentos locais, só
serviu de bode expiatório, pois não sabia das intrigas entre
“O ninho das corujas” (São Pedro do Itabapoana) e
“O curral dos cabritos” (Mimoso do Sul), onde aconteceu
o “roubo da comarca”.
Relembrando a história... Conta-se que Getúlio
foi um homem de grande ressentimento, rancores e frustrações,
mas um dos líderes revolucionários e futuro presidente.
Em 3 de outubro de 1930, no período da tarde,
em Porto Alegre, iniciou-se a Revolução de 1930, com a
tomada do quartel general da 3ª Região Militar. Ataque
esse comandado por Osvaldo Aranha e Flores da Cunha.
As tropas revolucionárias avançavam por todo o
país, e Getúlio aguardava os acontecimentos, instalado
em Curitiba. Em 24 de outubro, antes que ocorresse a
Batalha de Itararé, Washington Luís foi deposto através
de um golpe militar, e formou-se uma Junta Militar Provisória.
No mesmo dia, um revolucionário foi enviado
ao Rio de Janeiro para negociar a entrega do poder a Getúlio
Vargas. A Junta Militar Provisória governou o Brasil
até passar o governo a Getúlio em 3 de novembro de 1930,
no Palácio do Catete-RJ, encerrando a chamada República
Velha. Washington Luís foi deposto apenas 22 dias
antes do término do mandato presidencial, que se encerraria
em 15 de novembro de 1930, quando passaria o cargo
para Julio Prestes (o que não aconteceu). Getúlio tornou-
se Chefe do Governo Provisório com amplos poderes e
governou através de decretos que tinham força de lei. No
dia 11 de novembro de 1930 foi baixado o decreto nº 19.398
que instituiu e regulamentou o funcionamento do Governo
Provisório. Dentre os atos a dissolução do Congresso
Nacional do Brasil, dos Congressos Estaduais e das
Câmaras Municipais. E a autorização para Getúlio nomear
e exonerar, a seu livre critério, interventores para
os Governos Estaduais, na maioria tenentes que participaram
da Revolução de 1930.*
Retornando à nossa história... A primeira reflexão:
Se Getúlio assumiu verdadeiramente o poder no dia 11
de novembro, como pôde ter seu nome relacionado à
derrubada da cidade de São Pedro? Que se deu em 02 de
novembro de 1930, segundo conta-se, com uma caravana
constituída por treze caminhões e soldados que traziam
consigo um lenço vermelho no pescoço, demonstrando a
Era Getulista.
8
Havia uma crise financeira desde 1929, os fazendeiros
enfrentavam problemas, se sentiam lesados com
a queda do preço do café, estavam endividados pelas
hipotecas das plantações e, além disso, havia o custo da
manutenção dos estoques de grãos, nos armazéns governamentais.
Durante o Governo Provisório, foram intensas
as disputas políticas e houve em São Paulo a Revolução
Constitucionalista de 32. Getúlio se manteve, e no dia
seguinte à promulgação da nova constituição, 17 de julho
de 1934, ocorreu uma eleição indireta para a presidência:
o Congresso Nacional elegeu Getúlio Vargas como Presidente
da República. Em 10 de novembro de 1937, através
de um golpe de estado, Getúlio instituiu o Estado Novo,
e uma nova constituição. Vários autores, citam o cerceamento
dos direitos e garantias individuais durante o
Estado Novo, questão exposta assim, por Getúlio, em São
Paulo, em 23 de julho de 1938: "O Estado Novo não
reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os
indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos
pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta
de interesses, garante os direitos da coletividade e faz
cumprir os deveres para com ela".*1
O site "Opinião e Notícia", na série A Era Vargas,
também cita: "A perseguição implacável do regime de
Vargas a seus opositores (reais e imaginários), cujos
métodos envolviam fartamente o emprego da tortura,
violência, deportação e assassinato, foi apenas uma das
facetas, talvez a mais conhecida, desse período".
A partir desse momento, os comunistas e socialistas
passaram a ser tratados como inimigos da nação,
dos Estados, Municípios e Distritos. Inimigos do povo, e
das liberdades públicas. As perseguições, prisões e o medo
imperavam. Os antes amigos, agora se esquivavam,
evitando encontros e diálogos. É nesse meio que surge a
força da Fazenda Mimozo, com avanços em construções,
estradas, armazéns de compra e venda de café e serrarias.
Vivia-se uma forte expansão na economia, que contava
com um moderno transporte ferroviário, à época.
*fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Getúlio_Vargas
1VARGAS, Getúlio, A Nova política do Brasil, volume 5, p.311,
Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1938
9
2ª parte
Esta pesquisa teve a contribuição do Sr. Orestes
Correria da Silva(Chochim), que cordialmente me concedeu
uma entrevista. Fui recebido na residência de sua
filha que com muita atenção e simpatia me levou até o
quarto de seu pai e acompanhou nossa conversa. Após
os cumprimentos, sentei-me na cadeira já a mim reservada
e iniciei perguntando nome e local de nascimento.
Chochim também sentou-se, na cama, me olhou fixamente
e com uma voz fraca, mas convincente, disse.
— Temos cada um a nossa história. — E de imediato
me ofereceu um suco ou água, ao que agradeci e
aceitei para depois da entrevista. E ele respondeu. —
Nasci em Conceição de Muqui, terra muito fria. No papel
eu nasci em 1930, mas na realidade tenho 104 anos.
— Mas como? — perguntei-lhe, curioso.
Chochim ajeitou o corpo, numa posição mais
confortável e continuou. — Naquela época os pais não se
preocupavam com os documentos e só providenciavam
se fosse preciso. No início do ano de 1930, eu fui à cidade
de São Pedro do Itabapoana. Não sei o porquê, mas o
dono do cartório colocou como a data de meu nascimento
o dia em que eu estive no cartório, isto é 24/03/1930. Só
casa dizendo, agora já posso casar. Eu tinha talvez uns
18 anos na época E o tempo foi passando. Nunca fui
questionado sobre o fato e deixei correr.
Confesso que fiquei surpreso com a informação.
A filha delicadamente confirmou a história. Chochim não
aparentava 104 anos de idade, estava muito lúcido.
Perguntei-lhe quando havia chegado e se estabelecido em
Mimoso. Ele pediu à filha que fosse pegar alguns documentos
num outro cômodo e relatou.
— Cheguei a Mimoso com quase 20 anos, não
havia muitos caminhos. Logo comecei a trabalhar nas
serrarias. Naquela época, Mimoso já registrava 12 grandes
cortadoras de madeiras, e também armazéns de
compra e venda de café. Fui trabalhar na madeireira por
que o salário era melhor, posso citar: Da família Motta.
O meu segundo emprego foi numa firma do Rio de Janeiro,
que prestava serviços, aqui em Mimoso, na manutenção
das linhas férreas. Após anos é que fui para o
10
armazém de compradores de café, Teodoro Calil. Onde
trabalhei por seis anos e cinco meses. O café vinha da
zona rural em tropas de burros, ou carros de boi. Quando
chegava, a sacaria era carregada por nós, sacos de 60
quilos cada, nas costas. Os empregados às vezes levavam
![]() |
Foto Vitor Nogueira |
do trem. Recordo-me de três compradores de café:
família Rocha, Marcelino Martins, e se a memória não
me falha, os irmãos Achas. O meu último trabalho foi
na Prefeitura Municipal de Mimoso do Sul. Iniciei no dia
01/12/1966.
Aproveitei a pausa e fiz uma pergunta a Chochim,
para sanar uma dúvida. — O senhor disse que haviam
12 serrarias em Mimoso, para onde ia tanta madeira?
— Eram agrupadas e transportadas para o Rio de
Janeiro nos trens de cargas.
Continuei a entrevista. — Quando ainda morava
em Conceição de Muqui, houve algum fato interessante
que queira relatar?
— Eu estava com oito anos, e meu pai contou-
nos que o Sr. Prudêncio Arrabal Fernandes havia comprado
de Honório Lopes da Rocha um sítio de 12 alqueires
de terra, próximo à Vila de Santo Antonio do Muqui,
denominado sítio “Água Limpa”. Estávamos em 1916, e
nessa mesma data nasceu um menino robusto que recebeu
o nome de José Arrabal Fernandes, que bem mais
tarde tornaria-se Médico.
Chochim tinha uma memória fantástica e 104
anos de vida, admirável! Juntos, recordamos o início da
11
história... Em 1852 por iniciativa de Manoel Joaquim
Pereira, surgiu o povoado de São Pedro de Itabapoana
localizado no município de Cachoeiro de Itapemirim.E
uns 6 anos depois pelo Capitão Ferreira da Silva o povoado
de Mimoso na Fazenda Mimozo (João Pessoa)2. Elevados
à categoria de distritos, o crescimento da região motivou
mudanças administrativas. E desde 1926 já havia rumores
de políticos mimosenses da transferência da Sede do
município de São Pedro do Itabapoana para a fazenda
Mimozo; que ia desenvolvendo todo o seu potencial.
2fonte: http://www.citybrazil.com.br/es/mimososul/
historia-da-cidade
3ª parte
terras planas, no início seu crescimento econômico foi
lento, e os fatos decorrentes das desavenças políticas
foram acontecendo. Principalmente os assaltos, que aliás
marcaram a história da região, planejados por homens
da alta administração de Mimoso. Podemos citar vários
nomes que tiveram a coragem de armar emboscadas
políticas, e existem evidências que foi ele que mandou
invadir São Pedro e furtar toda a sua história para João
Pessoa: Coronel Gamboa. Quem poderá esquecê-lo? Era
um autêntico político, e quando falava “tava falado”. Ele
era uma bússola, através da qual todos se guiavam, principalmente
submissos eleitores. Coronel Cesar Paiva,
dono de uma linda fazenda na periferia da cidade. Voz
tonitruante. Entrava pela casa de Dona Joana: “Vim
tomar seu café”! E a empregada dizia: “Pués ne, Corone,
ahora mismo”.
— E quando trouxeram para Mimoso os documentos
e todos os arquivos, onde foram colocados?
Chochim passou a mão direita sobre a cabeça e
respondeu. — Havia um prédio velho, que foi o grande
Hotel Amorim. Deram-lhe um retoque e foi vendido para
a municipalidade com preço superfaturado. Nascia assim
a comarca de João Pessoa e mais tarde, Mimoso do Sul.
12
— Para finalizar nossa entrevista, conte-me sobre
as personalidades mimosenses que conheceu — pedi a
Chochim, que de pronto me atendeu.
— Coronel Natinho, usava uma barbicha que lhe
dava uma aparência mefistofélica. Prudêncio Arrabal, pai
do grande médico e insigne escritor José Arrabal Fernandes
que, com o seu livro “Gonçalo pé de mesa”, ficou
registrado entre os maiores escritores regionalistas
brasileiros. Capitão Ascaneio Fernandes, era um cidadão
respeitável e que não dispensava o uso do colarinho de
ponta virada, normalmente nos dias de festas cívicas da
cidade. Kafuri, amigo de todos! Proprietário de uma grande
loja, que até os nossos dias é apresentada à cidade,
trazida pela tradicionalidade. Ainda posso citar nomes que
foram grandes amigos de seu pai: Antonio e Gabriel Minassa,
Alvaro Nassur, Elias Assad, Michel Cheibub, João
Nicolau, Noé, Waldir Pires, Dr. Lincoln Martins, um prefeito
que a morte levou tão prematuramente. E a “Arca
de Noé” que em parceria com Alcebíades Lopes Amado,
seu pai, levava para Santo Antonio do Muqui o cinema.
Os filmes eram passados no casarão de cultura, onde
![]() |
Casarão de Cultura |
da Folia do boi. São dezenas e dezenas de armações do
maior celeiro folclórico de Mimoso do Sul. Há ainda o
Dr. José Nicodemos Cysne. Contavam-se coisas pitorescas
a seu respeito. Guardo bem nítido, na memória, tê-lo
visto certa vez, num dia de bastante chuva, descalço e
calças arregaçadas puxando um boi por uma corda pelas
ruas da cidade. Como médico era um grande e incompreendido
filósofo. Ao vê-lo ainda perguntei: “Quer ajuda
Doutor?” e ele respondeu: “Esse boi Mimozo só me da
dor de cabeça, pula cerca e vai lá para o lado do garimpo.
Só não acabo com ele porque é um boi jeitoso e seu nome
vai ser respeitado para sempre”. Não entendi, falei comigo
13
mesmo, será que o Doutor tá ficando louco? E as ruas
continuavam a encher com as águas da chuva. É, como
chovia... E o Doutor seguiu puxando o boi Mimozo, que
nessas alturas já estava desatolado. E por último o Evaldo
Ribeiro de Castro, integro alfaiate, ele que confeccionava
as calças de seu pai, com bocas muito largas a pedido do
próprio.
4ª parte
Todos esses ilustres citados e outros nomes que
poderão aparecer no decorrer desta história, foram
contados por outros amigos.
No final de outubro chegaram em Mimoso do Sul
três caminhões pequenos. A cidade sabia que eles iam
chegar, vindos do Tiro de Guerra de Cachoeiro de Itapemirim.
Descreveu o escritor José Arrabal Fernandes, em
seu livro “Mãos de Médico”.
Os três caminhões passaram por mim, a minha
mãe que havia visto pela janela, soldados deitados no
assoalho da carroceria, apontando armas fuzis; apavorada
e aflita, começou a gritar: — José, Nego, Joaquim Sete
Arrobas (eram meus amigos de primário), façam favor,
vem para dentro! — Éramos adolescentes e brincávamos
na Rua da Serra. Curiosos, saímos observando o que
poderia acontecer.
Os três caminhões pararam junto à estação da
Leopoldina, onde também foram instaladas as barracas,
tipo quartel general. O Agente de Correios e telégrafos,
Sr. Antonio Batista Correia (casado, cinco filhos), que ali
trabalhava, pensou: “Detesto confusão”. Antonio Felipe,
o padeiro, foi na casa comercial do Sr. Antonio Acha, e lá
chegando ouviu de Arnaldo Boca de Gamela que discursava
sem parar, a seguinte conversa: “Na casa Luiz XV,
fiquei sabendo que estavam planejando uma visita à
cidade de São Pedro. Quem dava a ordem juntamente
com um tenente do tiro de Guerra de Cachoeiro era o
Coronel Gamboa”. Eles iam aproveitar a instrução de
14
guerra e invadir São Pedro, para trazer a Mimoso (João
Pessoa), toda a documentação e arquivos do então distrito.
João Pessoa deveria se tornar a cidade sede, pois
já se apresentava mais desenvolvida. Contudo, havia
poucos soldados e somente três caminhões. Dando prosseguimento,
o filho do comerciante Antão Ferreira, que
desejava o crescimento numerário para Mimoso (João
Pessoa), recrutou os empregados das lavouras. Em quatro
dias formou uma batalhão, recrutas rudes e simplórios,
que sequer conseguiam marchar. Todos atrapalhados e
envergonhados, foi uma encrenca danada. Um empregado
![]() |
Foto - Vitor Nogueira |
Amarrou embira no pé esquerdo dos recrutados e dava
as ordens da marcha gritando: “Pé amarrado! Pé sem
amarrar! Pé com embira! Pé sem embira!” Com dois dias
conseguiu treinar o pelotão. Os recrutas estavam prontos.
Restava aguardar os dez carros que viriam das fazendas
adjacentes de Mimoso (João Pessoa).
5ª parte
No dia 02 de novembro de 1930, às 6 horas
chegaram à praça os dez caminhões que juntaram-se aos
outros três. Os recrutas se misturaram aos soldados.
Todos tinham adornando o pescoço, um quadrado de
pano vermelho dobrado ao meio, feito lenço. Se estavam
todos fardados, não temos registro, pois a situação era
muito tensa para se notar. O comboio partiu ao destino.
Os treze caminhões invadiram São Pedro do Itabapoana,
parecia a revolução, os soldados entraram na
sede administrativa do distrito e roubaram todos os arquivos
com documentos.
15
Era Finados, dia de reverenciar
os mortos, e os São Pedrenses já se preparavam para ir à
missa às 9 horas e ao cemitério.
— Fomos pegos de surpresa, parece que tudo foi
planejado — disse o Senhor José Calil.
— Até o livro de tombo foi levado! — exclamou o
Senhor Manoel Pires.
Os soldados armados até os dentes, pura guerra
emocional. O material que não podia ser levado foi quebrado.
Destruíram as salas administrativas. O povo
assistia tudo, hipnotizado, sem nenhuma reação. Uma
![]() |
Foto - Rosinha Caroli |
a torre da igreja e começou a tocar o sino; em sinal de
socorro. Na missa era o momento do ato penitencial, mas
todos estavam sem saber o que acontecia lá fora. Nenhuma
explicação, nem mesmo qualquer autoridade para
informar o porquê da vinda dos soldados e caminhões,
que pareciam ser do exército. Após o saque, os “Cabritos”
foram embora.
A professora Rosinha, que tocara o sino na igreja,
inconformada com a invasão, iniciou um movimento
para neutralizar a atitude dos vizinhos revolucionários.
Enviou mensagens para os conhecidos marcando data e
hora para uma reunião, na qual discutiriam o ocorrido.
16
Depoimento de Nilza Caroli.
“Rosa Caroli, querida e admirada na cidade. Eu
sendo sua irmã, mais nova, fui ajudá-la, subscritando os
envelopes, lembro de alguns nomes: Dr. Cabral e Virginia
sua esposa; Dr. Gilberto, do Rio de Janeiro, radicado e
amigo de São Pedro; Sr. Temistocles Francisco; Mario
Figueira; Zezé Figueira e esposa; Senhor Constante Vivas,
coletor e esposa; Sr, Marcio Braga de Cachoeiro de Itapemirim
e sua esposa, radicados em São Pedro e que
adoravam a cidade (tinham seis filhos, que haviam sido
alunos de José Santinho Batista); professor Elpidio;
fazendeiro, Breno Castanheiro; farmacêutico, João Mauricio;
Padre José, muito brigão; Juninho Silveira; Constatino
Vivas e tantas outras pessoas, que não me recordo
mais. Mamãe também estava lá nos apoiando. Fomos
para a municipalidade ver os estragos feitos, o edifício
tão bonito estava todo danificado. Dias após, houve a
reunião dirigida por Rosa Caroli. Foi formada uma
comissão composta por Grinalso Medina, Mario Caroli,
Jamil Mileipe que iria para a cidade de Vitória tratar do
desmembramento de São Pedro e do recém-criado
município de João Pessoa (Mimoso) que nós chamávamos
de “Curral dos Cabritos” e éramos chamados por
eles de “Ninho das Corujas”. Mario Caroli elaborou o
recurso para ser entregue ao interventor e a resposta que
recebeu do “infeliz” foi: “O que está feito, está feito”.
Não desistiram e continuaram a reivindicar o
restabelecimento do Município de São Pedro do Itabapoana.
Em 1945 um projeto de Lei foi aprovado pela
Assembleia Federativa do Estado, mas o maldito interventor,
já agora governador não sancionou. Notou-se que
devido à pressa dos “cabritos” quando do saque, foram
deixados na Câmara de São Pedro, no Clube nobre da
Câmara Municipal os lindos lustres de cristais, importados
da França, que eram um orgulho para o povo São
Pedrense. Rosa Caroli novamente convocou todos os
moradores de São Pedro e falou-lhes da necessidade de
reagir. Disse ela: “Se nos armarmos para enfrentar os
17
![]() |
Família Carol li |
Pedro se acovardaram e não quiseram tomar parte. Rosa
Caroli se voltou para as mulheres, e muitas brigas houve
entre maridos e esposas. Mas a professora não desistiu e
lançou o grito: “Mulheres de São Pedro se nossos maridos
são covardes e se escondem em baixo das camas, vamos
nós tomarmos a defesa de nossa cidade. Vamos nos armar
com as armas que encontrarmos e defender a nossa
terra!” Então as mulheres juntaram armas, nessas alturas
já possuíam em suas casas: bazucas, espingardas, revólveres,
facão, machado, porrete, enfim todo o tipo de
objeto que pudesse causar contusão. Os maridos ficaram
assustados, mas nunca haviam visto mulheres tão valentes.
A mãe que viera da Itália ainda não naturalizada,
estremecia, mas ajudava, apoiava e incentivava o movimento.
Certo dia, não demorou muito, o movimento
soube que os “cabritos” voltariam para buscar os lustres
de cristais; comentou Rosa: “Para que eles querem aquela
rara beleza?” Pois o povo de Mimoso era considerado
burro, sem sensibilidade, não tinham capacidade intelectual,
nem cultural para saber apreciar os belos e imponentes
lustres de cristais franceses. Rosa Caroli colocou
olheiros, espiões na estrada de São Pedro, havia somente
uma entrada para a cidade. Quando avistaram a tropa
dos “cabritos” informaram-na imediatamente e as
crianças, que admiravam e se divertiam com o movimento,
foram de casa em casa chamar a mulherada. Os
homens não apareceram, exceto alguns realmente
interessados: Padre José, João Mamão, Antonio e João
Silveira.
Da ladeira desciam as “bravas e valentes mulheres”,
Anita Garibaldi, cada uma empunhando uma
arma. Rosa Caroli estava esperando, com a sua mãe e
mais algumas mulheres.
18
Caminharam ladeira abaixo até
a entrada da cidade. Estreita, somente uma pista de
largura. Mulheres, crianças e pouquíssimos homens,
todos coordenados por Rosa, formaram uma barreira
deitando-se no chão.
Chegaram! Pararam! Um caminhão e um Jipe.
O capitão desceu e ordenou que os carros passassem, pois
tinha com ele uma ordem para retirar de São Pedro os
objetos que haviam ficado. Rosa levantou, deu um passo
à frente, dirigiu-se ao oficial e questionou sobre a ordem
de apreensão. — Onde está tal ordem? — O Capitão respondeu
que trazia a ordem verbal, e ela lhe disse.
— O Senhor deverá retornar porque não vamos
deixar entrar na cidade, e hoje não levará nada daqui.
O capitão mais uma vez, com o intuito de intimidar
aquelas mulheres fez um sinal aos soldados para
que eles descessem da viatura. Rosa percebeu o sinal, e
também fez outro para as mulheres e as crianças, fecharem
o cerco; e dirigiu-se ao capitão. — Se o Senhor quiser
avançar, poderá fazê-lo, passando por cima de nossos
corpos. Vamos capitão de ordem aos seus capangas.
O capitão ficou nervoso e ainda tentou convencer
Rosa. — Mas Dona eu preciso cumprir ordens.
— Cumpra-as, mas daqui não arredaremos.
Houve um minuto de silêncio! O que aconteceria?
Rosa observou que suas amigas estavam com medo, com
expressão de fugir do local; foi então mais audaciosa,
encarou o capitão, empunhando um revólver que era de
seu pai. Sua estratégia deu certo. Todos se animaram e
se mantiveram firmes. O capitão bateu continência, e
deu as ordens aos recrutas.
— Vamos retornar! — Deu meia volta entrou no
Jipe e partiram de volta para Mimoso.
Ficamos pasmas, as crianças pulavam de alegria,
os poucos homens nos olharam com cara de tacho e um
deles disse:“Vocês não tem jeito mesmo”. As mulheres
comemoraram a vitória fazendo uma festa.
Depois desse episódio Rosa Caroli continuou sua
batalha pela via diplomática. Enviou um telegrama ao
interventor do Estado, pedindo reconsideração e atenção
para aquela cidade que fora construída com os esforços
de filhos fiéis à terra onde nasceram, e citou nomes de
ilustres famílias: Tatagiba, Medina, Vivas, Caroli e muitos
19
outros que lutavam com garra e ética para renascer uma
cidade intelectual, São Pedro de Alcântara. Escreveu duas
cartas para o Presidente Getúlio Vargas, as quais ele
delicadamente respondeu, mas sem querer entrar em
problema tão insignificante, aliás ele nada sabia dos
acontecimentos locais. Escreveu também ao Sr. Oswaldo
Aranha, companheiro de Getúlio, mas foi inútil, ele respondeu
quase com as mesmas palavras. Para acalmar
os ânimos, o interventor do Estado visitou São Pedro do
Itabapoana, mas já veio com uma resposta, a recusa em
atender as reivindicações dos habitantes de São Pedro.
Rosa voltou ao episódio dos belos lustres de cristais,
para ela seria uma questão de honra impedir, pelo menos
o furto daqueles objetos que representavam o esplendor
de uma cidade decadente. Teve uma ideia e só contou
aos seus pais e ao Sr. Mario Braga, grande amigo seu, o
plano secreto. Numa noite, a cidade já adormecida, Rosa
em companhia do amigo retiraram os lustres da Câmara,
os embrulharam em jornais, acondicionaram em caixotes,
e os levaram para a sua casa. Uma construção tipo
enxaimel (madeira) comum no século XIX. Eram lares
de famílias tímidas, luzeiro de paz, “Sendo a terra amada
![]() |
Foto - Vitor Nogueira |
Medina.
A casa da família Caroli era muito comprida, tomava
uma boa parte da rua, de um lado apresentava
uma pequena elevação e do outro um belo jardim em
toda sua extensão. A construção era apoiada sobre enormes
vigas de madeira, e em baixo havia uma espécie de
porão onde se armazenava a lenha para o fogão. Rosa e
o amigo retiraram a lenha, colocaram os caixotes e guardaram
a lenha novamente. A execução do plano durou
toda a madrugada, no entanto, os lustres estavam a salvo,
bem escondidos.
Passaram-se alguns dias, enquanto isso Rosa continuava
a se corresponder com pessoas de prestígio na
cidade e no Estado, o Juiz de Direito, Advogados, a Secretária
20
de Justiça, o Bispo de Vitória e a Madre superiora
do colégio do Carmo, onde ela estudara; a Irmã
tinha um carinho especial por Rosa e também pediu ajuda
ao Sr. Punario Bley, o interventor do Estado. Contudo, o
que não sabiam é que o caso das mulheres que impediram
a entrada dos soldados já havia chegado ao conhecimento
do interventor, e mais grave era o fato de serem
lideradas por uma professora nomeada pelo Estado e a
seu serviço. Isso era um caso de indisciplina. Punaro Bley
enviou um ofício a Rosa, lembrando-lhe da ocorrência e
ordenou-lhe que entregasse o seu cargo na municipalidade
de Mimoso, e também que desse conta dos lustres
que haviam sumido da Câmara. Se eles não fossem devolvidos
ela seria castigada, perdendo a “cadeira”, isto é,
sendo demitida.
O sangue de Rosa ferveu diante de tamanha armação
política, na qual ela fora envolvida. Imediatamente,
sem pensar escreveu uma carta malcriada ao
interventor, colocando em suas mãos a Escola e a nomeação,
já que ela reprovava a grande emboscada praticada
![]() |
Foto - Vitor Nogueira |
não morreria de fome perdendo a escola. Ainda, que eles
poderiam ter usado uma fórmula civilizada, ética, no
assalto contra o povo de São Pedro.
Dois dias depois, às 6 horas da manhã papai bateu
na porta do quarto de Rosa, estava muito agitado.
— Levanta menina, venha ver o que você me
arranjou, nossa casa está cercada de policiais.
Rosa levantou calmamente, lavou-se. Enquanto
seu pai andava de um lado para o outro, ia até o corredor,
voltava arrancando os cabelos e falando. — Você não vê
minha filha, eu sou italiano, ainda não sou erradicado,
posso ser expulso agora mesmo.
21
Rosa apelava pela calma, não deixando sua apreensão
transparecer, estava mais assustada pelos seus pais,
e tentava acalmá-los. — Pai. Mãe, não vai acontecer nada,
essas pessoas querem nos intimidar.
Foi até a porta da sala, abriu-a, e lá estava a tropa
ao redor da casa e ela foi falar com o capitão. Ele bateu
continência, cumprimentando-a, logo percebeu que não
estava na frente de uma frágil mulher, retirou do bolso
um papel que trazia e lhe entregou. Rosa abriu e leu. Era
uma autorização para que os soldados revistassem qualquer
casa, com o objetivo de recolherem o que ficou para
trás, e outros locais que também considerassem suspeitos,
na antiga cidade. Enfim o que fosse necessário.
Voltando um pouco atrás! Logo que o pai disse
que a casa estava cercada, Rosa pediu a irmã Nilza, que
fosse correndo à casa do Sr. Marcio para contar-lhe o
que está acontecendo. A menina saiu depressa pelos
fundos atravessou o jardim, pulou o muro, passou na
![]() |
Foto > Vitor Nogueira |
polícia. Nilza, apesar de ser um pouco mais nova, fez tudo
direitinho, e em poucos minutos o Sr. Marcio Braga estava
na porta da casa. Rosa foi ao seu encontro, entregou-lhe
o documento, virou-se para o oficial e disse. — A casa é
toda tua, pode revistar.
O pai continuava nervoso e mordendo os lábios,
a mãe corajosa não se intimidou perante os soldados, que
se espalhavam por toda a casa... Revistaram tudo, chegando
até a espécie de porão, no baldrame. Ainda bem!
Talvez por preguiça não remexeram o monte de lenha.
Por fim nada encontraram e retornaram para a Fazenda
Mimoso. Mas os “cabritos” não desanimaram e começaram
a ser mais agressivos. Funaro Bley, o interventor,
enviou um outro ofício para Rosa, através de um Juiz,
22
que por coincidência era bastante seu amigo e ele a convenceu
entregar tudo que estivesse em seu poder. Acrescentando:
“Essa gente é como um trator”. Ela concordou,
mas pediu ao amigo Juiz que fosse portador de uma
missiva para o interventor Bley. Nesse dossiê, Rosa manifestou
sua revolta e desencanto com as justiças pregadas
por um Governo que se intitulava libertador e democrático.
Anexo, também devolvia ao Governador o cargo
na escola, na qual fora nomeada pelos seus bons méritos,
colocando-o à disposição para que ele o desse a quem se
submetesse a tal política, suja e opressora. E terminava:
“Vou, sim, sair de São Pedro de Alcântara, minha terra
natal, com o propósito de aqui nunca mais voltar. Vou
sair de cabeça erguida, tenho certeza, fechou-se esta porta,
mas outras janelas para mim se abrirão”.
A carta foi entregue e em resposta o senhor
interventor tentou removê-la de sua decisão, sugerindo-
lhe que continuasse na escola, pois ela tinha um bom
nome na Secretaria de Educação, pelo número de aprovações
de alunos todos os anos; assim, o Estado não
poderia perdê-la. Bem, Rosa nem respondeu. Arrumou
as malas e foi para o Estado da Guanabara-RJ.”
Um desabafo de sua irmã. — Eu era fã incondicional
da mana, preferida por toda comunidade, inteligente,
quando estudava era sempre a primeira aluna da
classe, no colégio do Carmo em Vitória, era ela que
escrevia e discursava com brilhantismo; falava o francês,
italiano e o inglês, além de ótima professora bordava
muito bem, pintava e tocava violino. São Pedro era uma
cidade que cultivava a boa música, as letras, os textos
poéticos, vários poetas e poetisas de nome: Maria AntonietaTatagiba
que foi a primeira mulher do Espírito
Santo a escrever um livro. A cidade apresentava bons
![]() |
Foto - Vitor Nogueira |
pública. As crianças tinham nas escolas as invenções de
Rosa, os torneios de histórias do Brasil, de português, de
matemática. Essas matérias despertavam nos alunos o
desejo de estudarem e receber boas notas.
Sua vizinha também comentou. — Eu me lembro
que na escola de Rosa haviam dois grupos que se rivalizavam
no estudo: Os Tamoios e os Tupiniquins.
23
A professora também era produtora de teatro, eu mesma
cantei, declamei muito no palco, que era o único prédio
que oferecia cinema e teatro grátis para o povo. Além
disso, éramos conhecidos como uma cidade intelectual
havia muitos jornalistas bons e jornais com matérias
confiáveis: A Revolução, O Progresso, O Rebate, A
Reforma, A Semana, A Luz, A Gaita, A Língua e outros
muito interessantes também.
Rosa Caroli foi para o Rio, lutou valentemente e
venceu em tudo que desejou e se relacionou. Foi brilhante
e recebeu justas recompensas. Uma pena que ela não
tenha escrito suas memórias e os “cabritos” tenham
destruído toda a documentação histórica de São Pedro
do Itabapoana.
O tempo passou, numa festividade da cidade na
década de 80, o Prefeito a convidou para vir receber uma
homenagem, como filha ausente da cidade e por tantos
trabalhos dedicados ao povo mimosense. Não teve quem
a animasse e a amparasse. Ela não veio. Houve a festa e
quem recebeu em seu nome o referido certificado? E os
lustres de cristais que ela cuidadosamente devolveu, onde
estão?
6ª parte
Cópia transcrita do jornal da época. Lendo o
“Globo” de 24 de novembro de 1930 deparei-me com um
ofício assinado pelo Sr. Octavio Gonçalves, interventor
do Município de São Pedro do Itabapoana, no qual este
senhor comunica ao referido jornal, pedindo a publicação,
a mudança da Sede do Município, que é São Pedro do
24
Itabapoana para Mimoso. Indignado com o editorial de
mentiras, que servem de base ao tal ofício, resolvi, com a
necessária vênia do aludido diário, lançar o meu protesto,
aliás, de todo o povo de minha terra, o desmentido formal
após dizeres capciosos de quem o aciona. De uma vez
para sempre repito bem alto: É mentira, é falso, que a
Sede do Município tenha sido mudada por inspiração do
valente major, Serôa da Matta, e ainda mais pela vontade
do povo, como proclama o Sr. Octávio Ferreira!
Vejamos: Diz o comunicado que o major Serôa
da Matta confraternizando com o povo teve a inspiração
patriótica de mudar a Sede do Município, etc. etc... Mas
poderá o Sr. Octavio informar a esse mesmo povo,
quando, como e onde se deu essa confraternização? De
que maneira, se o Major, nem esteve na Sede, que é São
Pedro, nem se entendeu com representantes do Município,
o qual se compõe de cinco distritos, e não apenas de
Mimoso? Esse povo, de cuja vontade o Senhor interventor
dispõe ao seu bel prazer, não foi informado disso. O que
houve foi uma vendeta baixa poluída, da parte de Mimoso
contra São Pedro, e nada mais. Nas mãos de meia dúzia
de habitantes de Mimoso, não foi o Senhor interventor
mais que um boneco de molas, um manequim sem ação,
sem energia, prestando-se, portanto a tudo que ordenassem
os seus verdadeiros Senhores, até o ponto de como
vimos, servir-se do nome do brioso oficial que é Serôa da
Motta, para espalhar aos quatro ventos esta formidável e
bem forjada mentira.
Nossos “amáveis” vizinhos não poderiam escolher
melhor ocasião para se entregarem à rapinagem, que o
momento atual. Cobertos com a capa da revolução, esse
movimento regenerado e cheio do mais acendrado
patriotismo, que acaba de quebrar os grilhões de uma
política baixa, imoral. Lançaram-se, esses abutres
esfaimados e incoerentes, sobre a pacífica, terra São
Pedrense, espoliando-lhe até o fundo numa sede mesquinha
de desforra injusta. E a tudo se prestou o ilustre
25
Senhor Octávio Ferreira. Não venha agora dizer que essa
forma de ordem de Serôa da Matta, pois este nem disso
sabia, e, quando um dos nossos lhe falou sobre o que
estava passando, esse oficial admirou-se grandemente de
tais medidas. A ordem que o Major dera isto é sabida por
todos, foi centralizar o serviço de Mimoso, para que mais
facilmente estivessem em comunicação com as tropas
revoltadas. Mas para isso não era necessário virem buscar,
furtar, roubar, assaltar todo o material pertencente à
Prefeitura e a Câmara de São Pedro do Itabapoana. Isto
é, do jeito que os leitores quiserem interpretar. E ainda
mais se fosse a vontade da população que se fizesse a
mudança, como diz o nosso “amigo” para que então se
aproveitasse da confusão lançada pelo movimento
revolucionário e vieram aqui justamente quando o povo
são pedrense estava em oração na igreja reverenciando
seus mortos e os recrutas vieram de armas em baladas,
quando poderiam aguardar calmamente que tudo se
fizesse entre risos e festas? Se fosse essa a vontade da
população, digo que razão havia para impingirem às nossas
autoridades a série de humilhações por que passaram?
Para que todo aquele aparato com que se revestiram?
Bem definida, portanto, está a ação exercida contra São
Pedro do Itabapoana mercê da incomunicabilidade em
que nos encontrávamos, em consequência de que nos era
completamente desconhecida a verdadeira situação dos
nossos administradores políticos de Mimoso do Sul - ES.
O assalto à mão armada não constava do programa
do Sr. Getúlio Vargas, cujo ideal, grandemente
conhecido por todo Brasil, era dos mais nobres, dos mais
belos e grandiosos, o de levantar uma Nação prestes a
sucumbir, pela má política de seus dirigentes, que sofrem
agora a consequência de suas mãos e atos. Por isso é que
venho, novamente, clamar bem alto contra atos que
desabonam, e muito, os verdadeiros chefes, os nossos
pioneiros da Liberdade! São Pedro do Itabapoana, que
por sua natureza mesmo já estava em poder dos
revoltosos, não deveria sofrer o que sofreu contra suas
autoridades, seu poder, sua autonomia! Que caíssem os
dirigentes, aqueles que não souberam administrar, mas
ela deveria ser respeitada. Basta, portanto, basta de humilhações.
Urge que se faça chegar ao conhecimento dos
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Foto Vitor Nogueira |
vergonha de nossa história. Pois no passado, o homem
responsável por essa transferência, o que ele falava “Tava
falado” ao ponto de como vimos, servir-se do nome do
brioso oficial que é Serôa da Motta, e hoje sua estátua
ganha destaque no centro do jardim da nossa cidade.
Verdadeiramente talhado para o belo e justo, ponha um
dique à onda avassaladora que pretendeu de uma vez
para sempre destruir São Pedro do Itabapoana.
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7ª parte
Este capítulo é uma coletânea, são cópias dos telegramas,
ofícios e trechos de matérias escritas por Rosa
Caroli, uma cidadã de força cristã, naquele período conturbado
da história regional. Em face da insistência, as
autoridades começaram a responder suas cartas. E anos
mais tarde foi decretado pelo Legislativo: “Devolva-se,
portanto, ao remetente as correspondências que endereçou
ao Chefe da Nação; juntamente com as cartas
anexas, também no envelope um telegrama que enviei
ao 1º aniversário da tomada de São Pedro, felicitando
pelos objetivos alcançados. Agradecidos aos cumprimentos
enviados pelo transcurso da gloriosa data comemorativa
do primeiro aniversário da vitória da revolução,
apresento cordiais saudares. - Vitória - ES, 25:10:1931 João
Punaro Bley/Interventor Federal no Estado”.
“Para Chefe Governo/Getulio Vargas/provisório-
Rio, - Despojado este pedaço terra, faz parte integrante
Pátria, direitos cidadãos com mudança Sede Comarca e
Município para Mimoso, mão armada, sem outro fim
senão destruição desta terra S. Pedrense, gesto perfeito
feito hoje, mandando despir antigo edifício Fórum desta
cidade toda instalação elétrica, motivo famílias divertiam
horas amargas passamos. Como protesto veemente tomou
mãos fiscal prefeitura, troféus pertencentes nosso
distrito. Pedimos nome, nova Republica, Justiça. - 17/
07/1931 - saudações, família Caroli”
“Ilma. Senhora Rosa Caroli - 6/7/1931 - Tenho a
honra de comunicar-lhe que fostes eleita paraninfa da
turma de reservista de 1930, do Tiro de Guerra nº 390
com sede nesta cidade e que no dia 12 do corrente realizará
a entrega das cadernetas dos referidos reservistas. Tenho
a acrescentar que, em reunião que se realizou ontem, o
nome da Exma. Senhorita foi escolhido para tal fim, com
geral apatia. Saudações, Temistocles Azevedo/Presidente”.
“Diretor Jornal Correio Manhã/Rio - 18/07/1931
-Ontem noite aconteceu fato virgem história povo São
Pedrense cansado humilhações político de Mimoso do Sul
insatisfeito com nossos direitos despojados, prejuízos
coletividade maioria distritos municípios.
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Prefeito, conforme transcrevo telegrama mandou retirar toda instalação
elétrica antiga edifício Fórum. Levar Mimoso. Os
homens entregues filosofia, braços cruzados, aguardando
ainda reivindicação direita postergados, assistiam destruição
final seus direitos, haveres distrito, enquanto número
incalculável senhores elite social, fazendo lembrar
Benta Pereira e Maria Ortiz, auge indignação brios povo
invadem casa fiscal arrebatando nossos troféus, telegrafando
fato Interventor e Chefe político. Rosa Caroli”.
“Exmo. Sr. Pedro José Vieira/Prefeito Municipal
-21/07/1931 - De posse de nº, Ofício 18/31, cumpre-me,
respondendo ao comunicado de V. Excia., a respeito dos
lustres de cristais e outros objetos, pertencente à Câmara
desta cidade, repete em meu nome e de todas as sintonias
o que já deixamos dito em nosso telegrama. Não consentiremos
na saída de móveis do nosso Distrito, inclusive
os lustres de cristais, ou sejam eles quais forem. Quanto
a V. Exa. alegar o motivo de economia referindo-se ter
lançado mãos nos objetos encravados no importante
imóvel deste Distrito, achamos estar equivocado, pois V.
Exa. vem gastando somas vultuosas nessa localidade com
a mudança, como foi feita da Sede da Comarca do Município.
Haja vista compra dos edifícios velhos e reformados
recentemente para o funcionamento do Fórum e cadeia.
Quanto aqui os há. Não entregaremos os objetos acima,
pertencente ao aludido imóvel, senão depois de ser resolvido
o recurso interposto ao Chefe da Nação, pelos povos
deste Distrito: Antonio Caetano, Barra Alegre, Conceição
de Muqui, Santo Antonio de Muqui e depois que seja
autorizado pelo Chefe da Nação a quem telegrafamos.
Saiba V. Exa. que o impoluto Oswaldo Aranha, até aqui
era o governo quem mandava no povo; doravante é o
povo quem manda no governo e na V. Exa. - Rosa Caroli”.
“Para Rosa Caroli - 25/07/1931 - Felicito a minha
amiguinha e as demais pelo gesto nobre e honroso e fico
solidário com esse povo, que no futuro vão a mim agradecer,
pois o que fizemos, de mim muito merecem. - Abraço
do amigo Gambôa”.
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“Gabinete do Ministro da Justiça e Negócios
Interiores, Rio 03 agosto de 1931. - Exma. Senhora Rosa
Caroli, de ordem do Sr. Ministro da Justiça, tenho a
satisfação de comunicar-vos e às demais signatárias do
abaixo assinado de 29 de julho que S. Exa., tomado em
consideração o vosso apelo, o recomendou à atenção do
Sr. Interventor Federal nesse Estado. Com respeitoso
cumprimentos”.
“Excelentíssima Senhora Darci Vargas - 06 agosto
de 1931 - Saudações. Apelando para os sentimentos altamente
patrióticos que se aninham em vosso coração, viemos
hoje depois de ter o povo dessa terra recorrido ao
Vosso Digníssimo esposo, pedir-vos que interceda junta
à sua Excelência e do grande Ministro Oswaldo Aranha,
a fim de que sejamos reintegrados em nossos direitos,
com a volta da Comarca e Município para a sua antiga
Sede, que é São Pedro do Itabapoana e cuja usurpação
devemos à meia dúzia de homens indignos que ontem
arrastavam pelas ruas os nomes dos candidatos da Aliança
Liberal e hoje servem-se da bandeira que esses mesmos
vultos hastearam para cometerem atos revoltantes como
esses que sofremos agora. É a mulher São Pedrense que
vos pede pela felicidade de seus lares, pelo progresso do
Município, pelo interesse de um povo pacífico e amante
do bem, que só quer viver na comunhão dos parentes e
amigos, formando uma só família nesta terra pequenina
onde a ambição única é a da paz e do direito! O nosso
pedido é justo, Senhora Darci Vargas, pois é só pela justiça
que clamamos, estamos certas que a vossa alma, de
patriota e católica bem intencionada, não ficará indiferente
e saberá saber valer junto de vosso esposo essa nossa
rogativa. Não é legítimo, convenha conosco, que para
satisfação de um só Distrito, animado aliás do espírito de
vingança, sejam sacrificados outros cinco, que formam
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Alci Santos Vivas Amado |
pela felicidade e tranqüilidade desse todo que imploramos
a Vossa valiosa intercessão e pedimos que nos auxilies,
convictas que nos compreendereis, pois também sois mulher
e sabeis que como mulheres, não iríamos nos imiscuir
em questões políticas se para isso não tivéssemos sido
prejudicadas em nosso Patrimônio moral. Confessando
a nossa eterna gratidão vos apresentamos os nossos mais
sinceros e efusivos cumprimentos. - Rosa Caroli”.
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“Exmo. Sr. Oswaldo Aranha - 10/08/1931 -Eminentíssimo
Ministro Justiça - Rio - Tomamos dizer Ofício
a V. Excelência como um decreto jubiloso fatos deliberamos
dar nome Oswaldo Aranha principal rua da cidade
São Pedro em homenagem justiça. Saudações - Rosa Caroli”.
“Para Rosa Caroli - 25 de agosto de 1931 - Sensibilidade
agradece imerecida homenagem. Acabou prestar-
me, Forte tão significativa. Saudação Cordial - Oswaldo
Aranha”.
“Secretaria de Instrução - 25/09/1931 - Snra.
Professora Rosa Caroli - São Pedro do Itabapoana -A propósito
do incidente provocado por senhoras dessa localidade,
a cuja frente imprudentemente vós colocastes devido
a retirada dos lustros de cristais do prédio onde funcionou
a Câmara Municipal de São Pedro do Itabapoana, venho
censurar-vos pela atitude de rebeldia que então assumistes
em desacato à autoridade do Prefeito do Município de
Mimoso do Sul “João Pessoa”, o qual achando-se investido
da função de delegado do Governo, deve como tal ser
respeitado pelos que se encontram sob sua jurisdição,
sobre tudo por aqueles que, como vós ocupam cargos que
pela sua natureza, impõem aos que os exercem o dever
de cooperar para a manutenção da ordem e tranqüilidade
pública. Saudações - Secretário da Instrução”.
“Para Exmo. Ministro Oswaldo Aranha - 26 de
setembro de 1931 - Caro Ministro -Minha casa amanheceu
cercada forças mando do poder político de Mimoso do
Sul, motivo, apreender lustros de cristais, moças, senhoras
impedimos fossem retirados defendendo direitos distritais.
Julho último, confiante ofício Vossa Exa. De 3 de agosto
pedimos justiça. Pela família São Pedrense - Rosa Caroli”.
“Excelentíssimo Senhor Ministro Oswaldo Aranha
-30/09/31 - Respeito dos lustres sem resposta, voltamos
ter nossas casas vigiadas por polícia. Custa vê Delegado.
Há inquieto! Preferindo enganar Estado e cidade vizinha.
Ser humilhados. Esperamos justiça. - Saudações - Rosa
Caroli”
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“Exmo. Sr. Getulio Vargas - Chefe Governo Provisório
- 24/10/1931 - Estamos quase fazendo um ano que
fomos assaltados, e os nossos resultados ainda nada
definidos. Vossa Excelência motivou fatos e recurso interposto,
cujos fruyos medram abrigados sombra bandeira
discricionária, contra direitos postergado ainda. Entretanto,
felicitamos V. Excelência e Oswaldo Aranha momento
todo Brasil exulta, enquanto este pedaço Pátria
continua luto. Saudações - Rosa Caroli”.
“Catete - Rio - 30/10/1931 - Para Rosa Caroli Apraz-
me agradecer Vossas congratulações. - Getulio
Vargas”.
http://carolipoetadabaixada.
Caro Amigo, mas que prazer poder ler uma história contada por papai, que era primo de pai de Sozinha, ele se orgulhava muito daquela sua prima, que hoje é citada com Heroína São Pedrense!
É naturalmente a historia da Família Caroli, em São Pedro, e no Brasil.
Eu faço parte desse orgulho com muito prazer!
Obrigado pelo resgate, dessas coisas da vida da gente!